A Lei nº 14.133/2021 estabelece diretrizes que prestigiam o planejamento da contratação como uma das etapas essenciais a serem observadas. Nesse sentido, é importante que o planejamento contemple uma “análise dos riscos que possam comprometer o resultado da licitação e a boa execução contratual”, conforme dispõe o art. 18, X, da referida Lei.
Poder-se-ia questionar se o Estudo Técnico Preliminar ou o próprio Termo de Referência já não seriam instrumentos suficientes para abarcar todas as etapas do planejamento, visto que, se um estudo técnico concluiu pela necessidade de uma contratação via licitação, é possível inferir que as demais soluções disponíveis não atendem às necessidades do Órgão ou Entidade.
A verdade é que cada instrumento cumpre seu papel específico e não deve ser subestimado quanto à sua importância no processo como um todo.
Uma vez identificada a melhor solução a ser contratada, é necessário considerar não apenas os fatores benéficos que fundamentaram essa escolha, mas também elencar os ônus e riscos associados, destacando circunstâncias supervenientes que possam prejudicar o bom andamento da licitação e o alcance dos objetivos pretendidos. Uma vez mapeados esses riscos, deve ser elaborado um plano de contingência, visando deixar claras as ações a serem adotadas em caso de intercorrências.
Essa sistematização ocorre por meio de documentos intitulados “mapa de riscos” ou “matriz de riscos”, cujo objetivo é consolidar todas as circunstâncias de risco relevantes e proporcionar uma visão ampla dos desafios a serem enfrentados. A partir dessa identificação, caberá à Administração, por meio dos agentes responsáveis pelo planejamento da contratação, definir as medidas necessárias para prevenir a materialização dos riscos elencados, bem como indicar os responsáveis pela execução dessas ações.
Aprofundando a análise, é importante esclarecer também as diferenças entre “mapa de riscos” e “matriz de riscos”. Em termos de planejamento, a Lei nº 14.133/2021 prevê a utilização dessas ferramentas em duas fases distintas: tanto na fase preparatória da licitação (artigo 18, X) e da contratação direta (artigo 72, I), em que são elaborados os estudos técnicos preliminares que fundamentam a futura contratação, quanto posteriormente, no momento em que são incorporados como cláusulas no edital (artigo 22) e no contrato (artigos 92, IX, e 103), com caráter definitivo. Por essa razão, convencionou-se denominar “análise de riscos” ou “mapa de riscos” os procedimentos realizados durante a fase preparatória, enquanto “matriz de riscos” designa o resultado final formalizado no edital e no contrato.
Na prática, a matriz de riscos é a apresentada em formato de tabela, podendo constar em cláusula específica do contrato ou ser incluída como anexo. Nela, deverão estar expressamente indicados, no mínimo, os tipos de riscos (ocorrências) e a parte responsável pela sua assunção — seja a contratante, a contratada ou ambas —, especificando, se for o caso, a proporção de responsabilidade atribuída a cada uma.
Feitas tais considerações, remanesce a dúvida: o mapa de riscos é obrigatório em todas as licitações?
Embora a obrigatoriedade não esteja prevista de forma expressa para todas as licitações, à luz dos princípios que regem o procedimento licitatório, a análise de riscos integra o planejamento, sendo este um dos princípios expressamente previstos na Lei nº 14.133/2021. Trata-se, portanto, de um dever implícito.
Por outro lado, quando a contratação envolver obras e serviços de grande vulto, ou forem adotados os regimes de contratação integrada ou semi-integrada, o edital obrigatoriamente deverá contemplar a matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado. Nesses casos, sendo a matriz de riscos a materialização do mapa de riscos, verifica-se que a Lei prevê expressamente a sua obrigatoriedade (art. 22, §3º).
Ao se analisar essa questão à luz de conceitos tradicionais do Direito Administrativo, percebe-se que o tema guarda relação com a dicotomia entre discricionariedade e vinculação. Conforme ensina o Professor Rafael Carvalho Rezende de Oliveira:
Tradicionalmente, a distinção entre os atos discricionários e os atos vinculados é realizada a partir do critério da liberdade do agente público. Enquanto nos atos vinculados não há margem de liberdade por parte do agente público, uma vez que os elementos do ato estão integralmente previstos na legislação, nos atos discricionários há margem de liberdade para o agente público analisar a conveniência e a oportunidade na edição do respectivo ato administrativo. (OLIVEIRA, 2025, p.314
Assim, conclui-se ser possível dispensar a elaboração de uma análise de riscos na fase de planejamento de contratações cuja simplicidade, ou o elevado nível de conhecimento já acumulado pela Administração, não justifique a necessidade de um estudo específico. Também se admite a dispensa quando houver o aproveitamento de estudos anteriores realizados para objetos similares, sendo imprescindível, em ambos os casos, que a decisão esteja devidamente motivada.
Contudo, é fundamental considerar o grau de maturidade do Órgão ou Entidade na aplicação da Lei e de suas diretrizes, conforme a realidade institucional interna. Embora haja certa flexibilidade para fundamentar a ausência de determinadas providências, tal prerrogativa não deve ser aplicada de forma indiscriminada, exigindo sempre uma análise criteriosa e individualizada, bem como a verificação da instrução processual, isto é, se estão presentes os elementos mínimos exigidos pela Lei — como a elaboração do Documento de Formalização da Demanda, do Estudo Técnico Preliminar e do Termo de Referência ou Projeto Básico —, de forma a justificar a dispensa de elementos já supridos.
Ressalte-se que, embora a Lei nº 14.133/2021 esteja vigente desde 1º de abril de 2021, o atual estatuto licitatório passou a ter aplicação exclusiva apenas em 2024. Trata-se, portanto, de um período ainda recente, insuficiente para a formação da maturidade necessária à plena aplicação de todas as suas previsões, sendo esperado que a prática se aperfeiçoe ao longo do tempo, seja por iniciativa própria da Administração, seja em decorrência de eventuais determinações dos órgãos de controle diante da identificação de falhas na aplicação da lei.
Conclusão
Diante do exposto, verifica-se que a adequada identificação e gestão de riscos é elemento indispensável para o sucesso das contratações públicas, mesmo que, em determinadas situações, seja possível motivar a dispensa de sua elaboração formal. A consolidação de práticas maduras e a efetiva internalização das diretrizes da Lei nº 14.133/2021 dependerão, inevitavelmente, de um processo contínuo de aprimoramento institucional, de modo que o planejamento e a análise de riscos deixem de ser vistos como mera formalidade e passem a integrar, de maneira substancial, a cultura administrativa voltada à cumprir com o princípio do planejamento previsto em lei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei n.º 14.133, de 1º de abril de 2021. Institui a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 26 abr. 2025.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo – 13ª Edição 2025 . 13. ed. Rio de Janeiro: Método, 2025. E-book. ISBN 9788530995850. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530995850/. Acesso em: 26 abr. 2025.
TRIBUNAL de Contas da União: Implementação da Nova Lei de Licitações e Contratos. [S. l.], 2024. Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/nova-lei-de-licitacoes-e-contratos/. Acesso em: 26 abr. 2025.
TRIBUNAL de Contas da União: Análise de riscos. [S. l.], 29 ago. 2024. Disponível em: https://licitacoesecontratos.tcu.gov.br/4-2-analise-de-riscos/#_ftn3. Acesso em: 26 abr. 2025.