Leonardo Fonseca

Medida Provisória 1.221/2024 e o Regime Especial de Contratações Emergenciais

Diante do reconhecimento do estado de calamidade pública no Estado do Rio Grande do Sul, provocado pelos fortes temporais que atingem a região desde o fim de abril, o Poder Executivo editou a Medida Provisória (MP) 1.224/2021, que flexibiliza regras de licitações em situações de calamidade.1

As chuvas causaram estragos ainda não completamente contabilizados, afetando milhares de pessoas e comprometendo serviços públicos essenciais. Nesse cenário, tornou-se necessário estabelecer, em caráter transitório e excepcional, procedimentos mais flexíveis e céleres em comparação à Lei nº 14.133/2021, para a aquisição de bens e a contratação de obras e serviços, inclusive de engenharia, em situações de calamidade pública, como a registrada no Rio Grande do Sul.

A medida provisória já está em vigor e deve seguir sua tramitação legislativa até ser convertida em lei, possibilitando a criação de um Regime Especial de Contratações Emergenciais.2

Requisitos para Utilização das medidas excepcionais

Para utilizar as medidas excepcionais previstas na MP, é necessário:

  • Declaração ou reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Chefe do Poder Executivo do Estado ou do Distrito Federal, ou pelo Poder Executivo federal; e
  • Autorização por meio de Decreto do Poder Executivo federal ou do Chefe do Poder Executivo do Estado ou do Distrito Federal.

Medidas previstas no texto da MP

O texto da medida provisória inclui as seguintes medidas:

  • Dispensa da elaboração de estudos técnicos preliminares para obras e serviços comuns;
  • Admissão da apresentação simplificada de anteprojeto ou projeto básico;
  • Redução pela metade dos prazos mínimos para a apresentação das propostas e dos lances;
  • Permissão para contratos verbais de até R$ 100 mil quando a urgência não permitir a formalização contratual;
  • Suspensão da exigência de documentos relacionados às regularidades fiscal e econômico-financeira em locais com poucos fornecedores de bens ou serviços.

Duração dos Contratos

Os contratos firmados com base nas regras da medida provisória terão duração de um ano, prorrogável por igual período. Assim, contratos que se encerrarem durante a calamidade poderão ser prorrogados por até 12 meses, mesmo que as possibilidades de prorrogação com base nas normas gerais de licitações estejam esgotadas.

Dispensa de Licitação

A medida provisória prevê a dispensa de licitação, invocando a presunção de legitimidade dos atos praticados pela Administração Pública. Isso significa que os atos são considerados verídicos (quanto aos fatos) e legais (quanto ao direito), salvo demonstração de alguma inconformidade com o sistema jurídico, cabendo a prova contrária àquele que questiona o ato da Administração.3

Agilidade e Motivação dos Atos

No cenário prático, isso resulta em agilidade na instrução do processo de contratação. Contudo, mesmo em situações de calamidade pública que demandam atuações rápidas, não se deve negligenciar a instrução processual adequada.

A Administração ainda precisa motivar seus atos, observando a utilização do regime especial para enfrentar as consequências do estado de calamidade pública e limitando a contratação ao necessário para atender à situação emergencial.4

Desafios para os Licitantes

Para os licitantes, os desafios logísticos relacionados à entrega dos produtos e à própria oferta e demanda são pontos de atenção. Embora seja inevitável um aumento de preços nesse contexto, a Administração não deve contratar a preços exorbitantes, sendo necessário comprovar que o preço praticado é decorrente do estado de calamidade pública.5

Conclusão

O texto ainda prevê outras medidas, como a possibilidade de utilizar o Sistema de Registro de Preços, inclusive por apenas um órgão ou entidade. Além disso, há flexibilização para procedimentos de adesão à ata entre entidades da Administração Pública Federal em atas gerenciadas por Estados e Municípios, entre outras ações que visam conferir à Administração Pública agilidade na resposta em momentos de crise, sem abrir mão da responsabilidade.

Notas

1 A situação de calamidade pública foi reconhecida, até 31 de dezembro de 2024, pelo Decreto Legislativo nº 36, de 2024, promulgado em 7 de maio de 2024.

2 É importante destacar que, embora a Medida Provisória tenha alcance nacional, ela foi elaborada considerando a situação de emergência pública vivenciada no Estado do Rio Grande do Sul. Após consulta à Procuradoria do Estado e à Advocacia-Geral da União (AGU), chegou-se ao texto atual da MP, visando viabilizar a prontidão e aumentar os meios de resposta para atender a população. Para ser convertida em lei, será necessária a aprovação tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado Federal, podendo o texto atual sofrer alterações, como supressões e/ou acréscimos.

3 Os efeitos diretos da presunção de legitimidade e de veracidade são a autoexecutoriedade dos atos administrativos e a inversão do ônus da prova. A inversão do ônus da prova se deve à presunção de veracidade, porque são os fatos que devem ser provados, e não a interpretação da lei. Isso significa que, inicialmente, a Administração Pública não precisa provar que suas ações são verdadeiras; essa responsabilidade cabe a quem as contesta. Nesse sentido: OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. 12º. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2024, 2024. p. 315 

4 MP 1.221/2024 Art. 5º  “Nos procedimentos de dispensa de licitação decorrentes do disposto nesta Medida Provisória, presumem-se comprovadas as condições de: (…) IV – limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de calamidade.”

5 MP 1.221/2024 Art. 3º, § 3º  “Os preços obtidos a partir da estimativa de preços de que trata o inciso VI do § 1º não impedem a contratação por valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços, desde que observadas as seguintes condições: I – negociação prévia com os demais fornecedores, segundo a ordem de classificação, para obtenção de condições mais vantajosas; e II – fundamentação, nos autos do processo administrativo da contratação correspondente, da variação de preços praticados no mercado por motivo superveniente.”

Referências:

Senado/Medida Provisória flexibiliza regras de licitações em calamidades

Senado/Medida Provisória 1.221/2024

 

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