Leonardo Fonseca

O ETP deve ou não ser publicado como anexo ao Edital? Opinião

O Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão n.º 2273/2024 – Plenário, sob a relatoria do Ministro Benjamin Zymler, analisou uma representação acerca de supostas irregularidades no Pregão Eletrônico nº 39/2023, conduzido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear/Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (CNEN/Ipen), cujo valor estimado era de R$ 1.303.813,94. Em resumo, a licitação buscava contratar serviços de instalação de um Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas (SPDA) no Centro do Reator de Pesquisas do Ipen (CERPq), com valor homologado de R$ 1.047.000,00.

A representação ao TCU partiu da alegação de que uma empresa foi inabilitada indevidamente, devido a exigências contidas no Estudo Técnico Preliminar, que, segundo o voto do relator, violaram o art. 67, incisos I e III, da Lei 14.133/2021, relativo à documentação de qualificação técnico-profissional e técnico-operacional. Na ocasião, também foi contratada uma empresa especializada para emitir parecer técnico em apoio ao pregoeiro, tema abordado na representação, embora afastado pelo relator, que reforçou a necessidade de observar o art. 5º da Lei 14.133/2021, o qual exige estrita vinculação ao edital para evitar disparidades entre o edital e a atuação do pregoeiro.

O acórdão tem gerado repercussão não tanto pelo mérito da representação, visto que o contrato resultante da licitação não foi anulado. A diferença entre a proposta da empresa representada (R$ 1.046.000,00) e a proposta vencedora (R$ 1.047.000,00) foi de apenas mil reais, sendo aplicado o entendimento do art. 147 da Lei 14.133/2021, que estabelece critérios para situações em que são constatadas irregularidades na licitação ou na execução do contrato.

O aspecto de maior destaque do acórdão, no entanto, reside na análise sobre a obrigatoriedade ou não da publicação do Estudo Técnico Preliminar (ETP) como anexo ao edital.

O ministro relator reconheceu que o tema divide opiniões, mencionando o Acórdão 1463/2024-Plenário ao iniciar sua análise:

“9.5.1. falta de publicação, junto com o edital da licitação, dos Estudos Técnicos Preliminares, em afronta aos princípios da publicidade e da transparência, ao Anexo V, item 2.2, alínea “a”, da IN Seges/MPDG nº 5/2017 e aos Acórdãos 488/2019-TCU-Plenário, Relatora Ministra Ana Arraes, e 1414/2023-TCU-Plenário, Relator Ministro Jorge Oliveira.”

Até então, os defensores da publicação obrigatória do ETP como anexo ao edital contavam com precedentes do TCU conforme citados acima. No entanto, o presente acórdão abriu margem para que os argumentos contrários ganhem respaldo, permitindo que o acórdão sirva de referência para tal interpretação. O ministros fundamenta essa visão com a premissa:

“Não verifico na Lei 14.133/2021 nenhum dispositivo que estabeleça que o estudo técnico preliminar deve ser um anexo do edital de licitação.”

Diante dessa questão, proponho uma análise a partir de uma tríade de abordagens possíveis para seu exame: os pontos de vista teórico, técnico e prático. Cada perspectiva permite encontrar tanto convergências quanto divergências na interpretação.

Sob o ponto de vista teórico, parto da definição do Estudo Técnico Preliminar (ETP) conforme a Lei. O ETP representa a primeira etapa do planejamento de uma contratação, caracterizando o interesse público envolvido e apresentando a melhor solução possível. Esse documento é fundamental para a elaboração do anteprojeto, termo de referência ou projeto básico, caso a contratação se mostre viável (art. 6.º, XX).

O Professor Rafael Carvalho Rezende Oliveira reforça essa definição ao afirmar que:

Na etapa inicial do procedimento, o referido estudo demonstra a necessidade da contratação, devendo evidenciar o problema a ser resolvido e sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação. (OLIVEIRA, 2024, p.452)

O art. 18 da Lei 14.133/2021 enfatiza a importância do planejamento ao exigir compatibilidade com o plano anual de contratações (art. 12, VII) e as leis orçamentárias, considerando todas as variáveis técnicas, mercadológicas e de gestão que possam impactar a contratação.

Seguindo para o segundo ângulo da tríade, é essencial entender a principal diferença entre o ETP e o Termo de Referência (TR), documento amplamente utilizado nas licitações, sem explorar as distinções entre o ETP e o anteprojeto, projeto básico ou executivo. O ETP avalia a viabilidade da contratação e constitui a primeira etapa do planejamento. Já o TR caracteriza o objeto que se pretende contratar e é elaborado após o ETP. Assim, é incorreto afirmar que o ETP seja um TR resumido, ou vice-versa.

Por fim, sob o ponto de vista prático, cabe questionar: nas licitações, quais são os interesses que guiam a unidade compradora e os licitantes? Teoricamente, e sem deixar de lado a perspectiva técnica, o objetivo é selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, incluindo o ciclo de vida do objeto (art. 11, I). No entanto, para os fornecedores que participam das licitações, o foco está em vencer o certame com a melhor proposta de preço. Para esses fornecedores, o essencial é que a unidade compradora defina claramente o objeto licitado, as quantidades e as condições de participação.

Sabe-se que o processo licitatório demanda uma instrução processual a qual visa cumprir os princípios que norteiam as compras públicas como é o caso da publicidade dos atos, princípio que ancora o argumento para quem defende a publicação do ETP como anexo ao edital.

No entanto, não deve ser descartado o fato de que há documentos que tem uma natureza que não é de total pertinência e interesse ao fornecedor, podendo ocasionar até atrasos no processo licitatório se a instrução processual ocorrer de forma confusa, misturando informações do ETP e do TR de forma a confundir o propósito da licitação. Esse ponto é abordado pelo Ministro Relator nas considerações finais de seu voto:

“Faço todas essas observações, pois exsurge a preocupação de que dois anexos distintos do instrumento convocatório (ETP e TR) possam conter informações discordantes sobre o orçamento estimado, um dos principais parâmetros a serem observados pelos licitantes na formulação de suas propostas.”

Vale destacar que não há ilegalidade em anexar o ETP ao processo licitatório ou em optar por não publicá-lo. A Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) dispõe, no entanto, que o ETP seja divulgado no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) apenas após a homologação do certame:

“Art. 54. A publicidade do edital de licitação será realizada mediante divulgação e manutenção do inteiro teor do ato convocatório e de seus anexos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).

[…]

3º Após a homologação do processo licitatório, serão disponibilizados no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e, se o órgão ou entidade responsável pela licitação entender cabível, também no sítio referido no § 2º deste artigo, os documentos elaborados na fase preparatória que porventura não tenham integrado o edital e seus anexos.”

Em conclusão, a lei sempre terá uma margem para interpretações em sentidos diversos, sempre tendo como base um determinado ponto de vista. A partir da manifestação da Corte de Contas, elenquei três possíveis formas de interpretar o tema, sendo a perspectiva prática aquela que me parece mais prevalente no cotidiano licitatório.

Nesse contexto, considerando o resultado útil da licitação e o que ocorre no cenário prático, comungo do pensamento de que, em matéria de licitações, é importante e razoável que não haja interpretações dúbias dos dispositivos da lei.

Considerando o princípio da competitividade, guardadas as devidas proporção em relação ao objeto, o edital deve conter o necessário para balizar a licitação e os anexos serem aqueles pertinentes aos fornecedores que serão capazes de identificar o objeto e as condições da unidade que está licitando, de forma a apresentar o seu melhor preço. Já para a Administração Pública e unidades compradoras é imperioso a observância de que a nova lei de licitações e contratos prima pelo planejamento, mas que na verdade, trata-se de um dever que decorre do princípio da eficiência previsto no art. 37 da Constituição Federal, portanto, não se trata de nenhuma novidade.

Por fim, o debate representa uma oportunidade valiosa para apresentar pontos de vista fundamentados na experiência e conhecimento de cada participante, tanto no âmbito teórico quanto prático. Embora seja comum encontrar entendimentos divergentes, é fundamental que os princípios orientadores dos temas em discussão sejam sempre respeitados e não esquecidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 out. 2024.

BRASIL. Lei n.º 14.133, de 1º de abril de 2021. Institui a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 26 out. 2024.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n.º 1414/2023 – Plenário. Relator: Ministro Jorge Oliveira. Brasília, DF: TCU, 2023. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/ACORDAO-COMPLETO-2607547. Acesso em: 26 out. 2024.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n.º 1463/2024 – Plenário. Relator: Ministro Augusto Nardes. Brasília, DF: TCU, 2024. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/ACORDAO-COMPLETO-2666349. Acesso em: 26 out. 2024.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n.º 2273/2024 – Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Brasília, DF: TCU, 2024. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/ACORDAO-COMPLETO-2685452. Acesso em: 26 out. 2024.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n.º 488/2019 – Plenário. Relatora: Ministra Ana Arraes. Brasília, DF: TCU, 2019. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/ACORDAO-COMPLETO-2298227. Acesso em: 26 out. 2024.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Método, 2024. E-book. ISBN 9786559649600. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559649600/. Acesso em: 26 out. 2024.

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