Leonardo Fonseca

Orçamento sigiloso na Lei 14.133/2021: Possibilidades e controvérsias

A publicidade é um princípio previsto no art. 5º da Lei 14.133/2021; logo, em regra, os atos praticados nos processos licitatórios devem ser públicos. No entanto, a própria Lei admite a adoção do sigilo quanto ao orçamento estimado da contratação.

Do ponto de vista histórico, é interessante observar como a evolução sobre o dever de licitar perpassa por uma dicotomia entre um modelo que, a princípio, recebeu muitas críticas pela forma como favorecia apenas determinados setores — a exemplo da antiga Lei nº 8.666/1993 — e a evolução legislativa que visava reparar tal perspectiva, de modo a proporcionar a ampla concorrência nos moldes do que se tem atualmente.

Em uma avaliação geral, Carlos Ari Sundfeld ensina que:

“A lei de 1993 foi um desvio de rota, pois sucumbiu ao lobby de um setor (o das empreiteiras emergentes de atuação regionalizada), limitando o princípio da concorrência sem um interesse público de caráter geral que o justificasse. A reação legal de 2002 iniciou uma revisão claramente pró-competição. Mas a correção de rumo ainda não se completou, e é imprudente dizer que seja irreversível. Por fim, algumas limitações à ampla competição vêm sendo criadas por leis recentes, mas com foco dirigido por políticas públicas mais consistentes: a proteção, de um lado, de empresas nacionais e, de outro, de microempresas e empresas de pequeno porte.” (SUNDFELD, 2013, p. 24)

Tal contextualização histórica demonstra que o sigilo do orçamento surge como um instrumento decorrente da busca por maior competitividade, mas cuja eficácia depende de planejamento adequado e de pesquisas de preços fidedignas, sob pena de produzir efeitos contrários aos pretendidos.

Na prática, quando isso ocorre, os licitantes não têm acesso ao valor de referência dos itens da licitação, devendo apresentar suas propostas com base nos preços da fase de disputa e, principalmente, nos custos que já conhecem em razão de sua atuação como fornecedores do material ou serviço.

Apesar de ser mecanismo legalmente admitido, a adoção do orçamento sigiloso exige justificativa e planejamento prévio, inclusive quanto ao momento de sua divulgação, preservando-se o acesso pelos órgãos de controle. O Manual de Licitações e Contratos do Tribunal de Contas da União (2024) ressalta riscos típicos quando o orçamento é mal elaborado — como estimativas que não refletem os preços praticados no mercado, o que pode levar à licitação fracassada por inexequibilidade ou à contratação com sobrepreço. Essa orientação reforça a centralidade de uma pesquisa de preços robusta antes de optar pelo sigilo.

O referido mecanismo foi introduzido no ordenamento jurídico com o advento do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), instituído pela Lei nº 12.462/2011, voltado às contratações da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Posteriormente, foi incorporado pela Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais, art. 34), consolidando-se como regra geral, salvo exceções justificadas; estendido ao Decreto nº 10.024/2019, no âmbito do pregão eletrônico; e, por fim, absorvido pela Lei nº 14.133/2021, aplicável a todas as modalidades licitatórias, desde que haja motivação expressa.

Sob a ótica do gestor, um dos fundamentos para a manutenção do orçamento em sigilo é evitar que os fornecedores utilizem o valor estimado como baliza, limitando-se a formular propostas próximas ao montante fixado pela Administração, sem efetiva pesquisa de custos de mercado. Nesses casos, haveria o risco de descontos artificiais, sem lastro em cálculos de viabilidade. Por outro lado, não obstante a legitimidade dessa preocupação, é preciso reconhecer que eventuais inconsistências na pesquisa de preços podem comprometer a fidedignidade do próprio orçamento estimado.

Se o valor de referência não refletir adequadamente a realidade do mercado, o sigilo pouco contribui para a competitividade do certame. Nessas hipóteses, corre-se o risco de adjudicar propostas alinhadas ao orçamento interno, mas dissociadas das práticas mercadológicas, com consequências negativas à execução contratual.

Na dimensão prática, deve-se considerar ainda que, como a aceitabilidade da proposta envolve os valores unitários, os licitantes frequentemente precisam readequar suas planilhas para que todos os itens estejam dentro do referencial. Não raro, isso impõe reduções em determinados itens, mesmo quando já foram concedidos descontos expressivos em outros, circunstância que favorece o chamado “jogo de planilhas”. Esse fenômeno levou o Tribunal de Contas da União a consolidar o seguinte entendimento sumulado:

SÚMULA TCU 259: Nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade dos preços unitários e global, com fixação de preços máximos para ambos, é obrigação e não faculdade do gestor.

Por isso é muito importante, como medida de mitigação de preços manifestamente inexequíveis, a a análise criteriosa dos documentos que embasaram a pesquisa de preços, bem como do mapa comparativo, além da realização de diligências que atestem a adequação das propostas às condições do edital, de forma a assegurar, não somente a proposta mais vantajosa em relação ao preço, mas também, no que se refere ao ciclo de vida do objeto, que significa que, não adianta pagar barato se o produto ou serviço não anteder as necessidades a que se destinam.

Conclui-se que, de certa forma é relativo esperar que o orçamento sigiloso traga um retorno de economicidade maior do que quando o valor estimado é divulgado, pois variáveis como, tipo de objeto, demanda do mercado e principalmente, como foi elaborada a pesquisa de preços, impactam nas duas frentes, cabendo sempre uma análise estratégica sobre quando não divulgar o valor estimado.

Referências normativas

BRASIL. Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 5 ago. 2011.

BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 1º jul. 2016.

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 1º abr. 2021.

BRASIL. Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019. Regulamenta a licitação, na modalidade pregão, na forma eletrônica, para aquisição de bens e a contratação de serviços comuns. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 23 set. 2019.

BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria de Gestão. Instrução Normativa SEGES/ME nº 73, de 5 de agosto de 2020. Dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares e da Pesquisa de Preços para a contratação de bens e serviços em geral. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 10 ago. 2020.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Súmula nº 259, de 2010. Nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade dos preços unitários e global, com fixação de preços máximos para ambos, é obrigação e não faculdade do gestor. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/sumula/*/NUMERO%253A259. Acesso em: 29 set. 2025.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência. 6. ed. Brasília: TCU, 2024. Disponível em: https://licitacoesecontratos.tcu.gov.br. Acesso em: 24 ago. 2025.

Referências complementares

SUNDFELD, Carlos Ari. Contratações Públicas e seu Controle. São Paulo: Malheiros, 2013.

PEREIRA, Rafael. Orçamento sigiloso causa distorções nas licitações públicas. Consultor Jurídico – ConJur, 20 set. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-set-20/orcamento-sigiloso-causa-distorcoes-nas-licitacoes-publicas/. Acesso em: 7 set. 2025.

SOUZA, Mariana. Os danos do orçamento sigiloso nos pregões. Consultor Jurídico – ConJur, 30 maio 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mai-30/os-danos-do-orcamento-sigiloso-nos-pregoes/. Acesso em: 7 set. 2025.

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